Porta-vozes costumam ser personagens enfadonhos, que apenas
“amortecem” a relação entre a imprensa e os políticos com declarações
protocolares. Na Argentina, é diferente: o presidente libertário Javier Milei
colocou no cargo alguém tão afeito a frases fortes quanto ele.
Manuel Adorni, um analista e consultor econômico e professor
universitário que já trabalhou para vários sites, jornais e emissoras de TV e
rádio locais, tem se destacado pelas declarações contundentes na tradicional
entrevista coletiva que concede diariamente à imprensa argentina.
Este mês, durante o bate-boca público devido ao envio aos
Estados Unidos de um avião venezuelano que havia ficado retido na Argentina
desde junho de 2022, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil,
chamou Adorni de “cara de pau”.
O porta-voz respondeu à altura. “Com relação ao que ele disse sobre mim, não tenho muitos comentários a fazer porque tudo o que vem de um governo de ditadores deve ser minimizado em termos de como eles podem nos caracterizar”, declarou Adorni. “O que você pode esperar de um burro além de um coice?”, ironizou.
No final de fevereiro, o porta-voz também chamou a atenção ao rebater uma declaração do papa Francisco, que havia afirmado que o Estado tem um “papel mais importante do que nunca” para garantir a justiça social em uma mensagem enviada a juízes argentinos.
“Em algumas [frases do papa] não concordamos e é muito bom
que assim seja. Em todo caso, o papa é um líder espiritual e nós governamos a
Argentina, com problemas por todos os lados”, disse Adorni.
O porta-voz relembrou a posição de Milei de questionar “a
lógica de tirar de um para dar a outros a critério do funcionário [eleito] do
momento” e que esse conceito gerou “na Argentina e no resto do mundo” uma
realidade em que “50% [da população] é pobre”.
“Isso significa que o bendito Estado atual tirou tudo de
muitos milhões de argentinos e não lhes deu absolutamente nada”, disparou
Adorni.
Antes da sua chegada ao cargo de porta-voz da presidência, o
analista econômico de 44 anos se destacava justamente pelas provocações contra os
políticos e a esquerda.
Em 2023, ao ganhar o prêmio Martín Fierro Digital de melhor
twitteiro argentino, discursou: “Eu quero que os criminosos, os corruptos, os ladrões,
tudo o que não é bom para a Argentina, fique de um lado, e as pessoas de bem,
do outro”.
No ano anterior, ao alfinetar a perda de valor do peso ante
o dólar, publicou no então Twitter (que depois viraria X) a imagem de uma nota
de US$ 100 e escreveu: “Isto, sim, são 30 mil. Fim”.
Era uma referência ao valor da cédula americana em pesos e ao número de mortos e desaparecidos na última ditadura militar argentina apontado pela esquerda.
Pelas suas posições em economia, se aproximou de Milei, que
começou a defender nas suas postagens. Em 2022, chegou a fazer uma publicação
com a expressão “Adorni-Milei 2023”, sugerindo uma parceria na eleição
presidencial do ano seguinte.
Depois, assinou o prefácio de um livro do atual presidente,
“O fim da inflação”. “A Argentina é esse país onde nos custa entender como
desapareceram algumas questões elementares: as liberdades, o crescimento, a riqueza
e até a dignidade”, escreveu.
Em novembro do ano passado, poucos dias após a eleição de
Milei, elogiou novamente o libertário. “O presidente eleito Javier Milei parece
ter feito muito mais pelas relações internacionais do país em 48 horas do que o
próprio Alberto Fernández fez nos seus quatro anos de governo. Fim”, afirmou.
No dia seguinte, foi confirmada sua nomeação como porta-voz da presidência. Nesta quarta-feira (27), a imprensa argentina destacou uma divergência entre ele e o presidente: Adorni afirmou que os contratos de 15 mil servidores públicos não serão renovados em 31 de março, enquanto um dia antes, Milei havia dito que seriam 70 mil.
Entretanto, nada que indique que a parceria esteja abalada – as coletivas diárias bombásticas do porta-voz devem seguir movimentando o noticiário político argentino.
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