A visão de que a energia nuclear é fundamental para a transição energética vem ganhando defensores e projetos. Isso porque, embora produzam rejeito radioativo, que precisa ser armazenado com todo o cuidado, as usinas atômicas não emitem gases de efeito estufa.
Mas a aposta do setor não envolve necessariamente empreendimentos de grande porte, que consomem investimentos vultosos e demoram décadas para ficar prontos. O terreno parece mais propício para pequenos reatores nucleares.
Os chamados SMRs – small modular reactors, na sigla em inglês – têm em torno de 10% do tamanho de um reator convencional. Como diz o nome, são modulares, por isso podem ser produzidos de forma padrão em uma fábrica e depois transportados para o local onde a energia será gerada. O que reduz custos e facilita a ampliação das usinas, que podem começar operando com um módulo e mais adiante acrescentarem outros.
No mundo existem 102 projetos em andamento, com previsão para ápice de operação da primeira leva entre 2028 e 2033. Por enquanto, apenas China e Rússia têm modelos em operação, segundo Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento Nuclear (Abdan). Mas o Brasil mostra disposição em entrar nesse jogo.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu recentemente o uso de pequenos reatores nucleares na região amazônica, no lugar das usinas termelétricas que abastecem sistemas isoladas e custam em torno de R$ 12 bilhões por ano ao consumidor. A ideia é aproveitar as reservas nacionais de urânio, matéria-prima da energia nuclear.
Em fórum realizado no mês passado, Silveira disse que o Brasil pode buscar financiamento no exterior. O mundo “está ávido por urânio”, segundo ele, que afirmou ter uma agenda de compromissos na China para tratar do assunto, conforme relato do jornal “Valor”.
O modelo também está no radar da Petrobras, que iniciou pesquisas sobre o uso de pequenos reatores nucleares como fonte de eletricidade de baixo carbono para produção de petróleo e gás, segundo o site EPBR. Os estudos estão em fase inicial, quando são avaliadas prospecções de rotas tecnológicas e potenciais aplicações nas operações.
A Abdan está colaborando com um projeto-piloto no Complexo Jorge Lacerda, em Santa Catarina, para substituir, até 2040, a energia gerada nas térmicas por carvão pelos SMRrs. A ideia é aproveitar as instalações existentes.
“Agora estão sendo avaliadas estas condições para ver se o site local comporta e depois discutir os formatos”, conta Cunha sobre o projeto, que é privado. Segundo ele, os reatores compactos podem ser cruciais na descarbonização da indústria, especialmente em setores como a siderurgia.
Na esteira da inclinação global, há outras iniciativas. Em agosto, a Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben) vai dedicar um dia do seu seminário anual para discutir a criação de um pequeno reator nuclear brasileiro.
“Hoje é muito difícil combater as mudanças climáticas sem energia nuclear”, argumenta o historiador e sociólogo alemão Rainer Zilemann. “Na Alemanha estamos com problemas de energia. Decidiram desligar as usinas nucleares e de carvão e deixar a [fonte] eólica e solar, mas não temos muito sol”, disse ele em entrevista ao jornalista Pedro Bial.
Como são os pequenos reatores nucleares
Os pequenos reatores nucleares e modulares são tendência no mundo devido à versatilidade de tamanho e logística, e ao menor custo e risco de fabricação em comparação a uma usina tradicional.
Apesar de o tamanho de uma usina tradicional ser em torno de dez vezes o de um SMR, essa dimensão pode variar. A Petrobras, por exemplo, pensa em modelos entre 5 e 20 megawatts (MW) de potência. Mas também há reatores de 50 MW ou até 300 MW.
“As características do SMR dependem da sua aplicação. Por exemplo, pode ser só para produzir energia. Ou, para além disso, dessanilizar e produzir hidrogênio”, explica Cunha.
Devido ao tamanho, os SMRs podem ser fabricados em um local e depois transportados para a planta de geração de energia. Como são modulares, uma usina pode começar a operar com um pequeno reator e depois agregar outros, conforme a necessidade.
Suas aplicações atendem, por exemplo, áreas rurais com pouca infraestrutura elétrica e podem ser fonte de energia reserva em situações de emergência e em locais afetados por desastres naturais.
Segundo Cunha, um reator de uma usina como Angra 2 não sai por menos de US$ 5 bilhões para gerar 1,4 mil MW. Um SMR de 300 MW custa em torno de US$ 1,5 bilhão.
A energia nuclear pode dispensar fontes fósseis, como carvão e petróleo, e tem grande capacidade de produção com quantidade relativamente pequena de matéria.
A energia contida em uma pastilha de 7 gramas de urânio – do tamanho de um chiclete – equivale à de uma tonelada de carvão ou 22 caminhões de óleo diesel. Por outro lado, produz resíduos tóxicos e radioativos, que exigem tratamento cuidadoso.
A proposta de investir em reatores pequenos busca contornar dois dos principais obstáculos ao avanço da energia nuclear: o alto custo para erguer e operar uma usina e a resistência da população, que teme a ocorrência de acidentes radioativos.
Outra dificuldade, na avaliação de Cunha, da Abdan, é o lobby de outras fontes de energia: “Principalmente o gás natural. Somos concorrentes direto e há um esforço muito maior para manter o gás [como fonte de energia]”, diz.
Associação pede mudança na lei para impulsionar investimento privado em energia nuclear
Segundo Cunha, a legislação brasileira precisa mudar para impulsionar o setor. A mudança mais urgente, segundo ele, é um marco regulatório para investimentos privados. A lei brasileira permite que usinas sejam construídas com verbas privadas, mas a operação é atribuição exclusiva do Estado.
Para o presidente da Abdan, as regras não são claras o suficiente. E a falta de garantias e o embaçamento de como será a gestão e a gerência estatal afastam investimentos.
O Brasil tem hoje duas usinas nucleares em operação, ambas no litoral do Rio de Janeiro. Angra 1, com 640 MW de potência, gera energia para uma cidade do tamanho de Porto Alegre. Angra 2 tem quase 1,4 mil MW e atende demanda equivalente à de Belo Horizonte. Ambas são operadas pela Eletronuclear, subsidiária da ENBPar, estatal criada para gerir Itaipu e Eletronuclear após a privatização da Eletrobras.
O mesmo complexo abriga as obras de Angra 3, cuja construção começou na década de 1980 e, após várias interrupções, está longe da conclusão. A usina já consumiu R$ 7,8 bilhões, e estima-se que serão necessários mais R$ 20 bilhões para que fique pronta. Cerca de 65% da obra foi concluída até agora.
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