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A luta da Ucrânia contra a escassez de soldados e munições – @gazetadopovo


A Ucrânia, que está combatendo a invasão russa há
dois anos, está enfrentando neste momento um novo e perigoso desafio: a falta
crítica de soldados na linha de frente e a escassez de munições.

Reportagens dos jornais americanos The
Washington Post
e CNN revelaram nos últimos meses uma situação
alarmante que está ocorrendo na linha de frente das forças ucranianas, onde
unidades de infantaria relatam uma escassez aguda de material humano, o que
pode estar levando ao esgotamento e à queda do moral dos soldados restantes.

Segundo as reportagens, com menos de 40 soldados em algumas trincheiras, onde o ideal seriam ter mais de 200, as tropas ucranianas tem sofrido para lutar e manter suas posições contra os recentes avanços russos.

A situação está sendo ainda mais agravada pela
dificuldade que a Ucrânia está tendo neste momento para mobilizar novos
recrutas e pela falta de treinamento adequado dos que passam a integrar as
fileiras do Exército.

Conforme as informações do The Washington Post,
comandantes de batalhões do exército ucraniano tem expressado suas preocupações
com a possibilidade de enviar recrutas inexperientes para o campo de batalha, o
que poderia ocasionar em um alto risco imediato de baixas.

A tensão recente que passou a existir entre o
presidente Volodymyr Zelensky e o alto comando militar ucraniano, devido aos
pedidos por mudanças e a tentativa de renovação e ampliação do corpo militar,
culminou na recente substituição do comandante das Forças Armadas do país.

O general Valerii Zaluzhnyi, popular entre os soldados, mas que já estava sob a mira de Zelensky desde a fracassada contraofensiva ucraniana, acabou sendo demitido e em seu lugar entrou Oleksandr Syrskyi, que comandava as forças terrestres do exército ucraniano.

Mulher segura uma foto de Valerii Zaluzhnyi, ex-comandante em chefe das Forças Armadas da Ucrânia, durante uma manifestação em apoio a ele
Mulher segura uma foto de Valerii Zaluzhnyi, ex-comandante em chefe das Forças Armadas da Ucrânia, durante uma manifestação em apoio a ele| EFE/EPA/SERGEY DOLZHENKO

Neste momento, conforme veiculou a mídia internacional,
existe um debate dentro do comando militar ucraniano sobre uma maior
mobilização e a necessidade de aumentar o número de conscritos, já que a
quantidade de homens que se alistavam no exército por vontade própria caiu nos
últimos meses.

No front, soldados relataram anonimamente ao The
Washington Post
que algumas unidades estão com apenas 35% do efetivo
necessário. A falta de rotação adequada, especialmente durante o inverno,
acabou levando ao prolongamento de missões e ao intenso desgaste físico e
mental de vários militares, o que acabou comprometendo a defesa de diversas
posições e permitiu um avanço russo no terreno.

A falta de financiamento é outro obstáculo
significativo enfrentado atualmente pela Ucrânia. A ajuda financeira enviada
pelo Ocidente já não está sendo tão efetiva quanto antes, os salários dos
soldados estão sendo pagos com certa dificuldade e o orçamento da Ucrânia, que
já tinha uma economia fraca, já está sob pressão.

A União Europeia (UE) ainda segue aprovando o
envio de dinheiro para o país. Recentemente, o bloco europeu aprovou um envio
de cerca de US$ 54 bilhões para a Ucrânia, mas isso ocorreu com atrasos, já que
este pacote não era uma unanimidade, uma vez que a Hungria de Viktor Orbán
fazia oposição a esta iniciativa.

Alexander Hill, professor de História Militar na
Universidade de Calgary, do Canadá, escreveu
em um artigo para o site The Conversation
que, apesar de ainda estar
recebendo alguns equipamentos militares fornecidos pelo Ocidente, os ucranianos
já estão enfrentando a dura realidade de ter que lidar com a escassez de
pessoal para manuseá-los.

Em seu artigo, o professor citou a declaração do presidente Zelensky de que 31 mil soldados ucranianos foram mortos desde fevereiro de 2022, o que, segundo ele, apenas arranha a superfície do problema. Conforme escreveu Hill, essa cifra provavelmente exclui os soldados desaparecidos, aqueles feitos de prisioneiros pela Rússia e dezenas de milhares de feridos. Com perdas tão substanciais, explicou o professor, a tarefa de reabastecer as forças ucranianas está se tornando cada vez mais assustadora.

Uma mulher que serviu ao exército ucraniano em frente ao mural em homenagem aos soldados que morreram durante o combate contra a Rússia
Uma mulher que serviu ao exército ucraniano em frente ao mural em homenagem aos soldados que morreram durante o combate contra a Rússia| EFE/EPA/SERGEY DOLZHENKO

Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec de Brasília, disse em entrevista à Gazeta do Povo que a contraofensiva ucraniana realizada no ano passado não foi bem-sucedida. Segundo ele, Zaluzhnyi, o comandante demitido por Zelensky, havia dito antes de sua saída que as forças do país necessitavam de 500 mil novos soldados, mas o “presidente rejeitou esse número, alegando falta de justificativa quanto ao número solicitado e manifestando preocupação em como pagar esse contingente”.

Caichiolo afirmou que a necessidade do aumento do
contingente nas forças ucranianas não se justifica “somente pela substituição
de mortos e feridos, mas pela necessidade da realização de rodízios entre os
combatentes”.

“Atualmente as tropas estão mental e fisicamente
exaustas, porque os rodízios acabam levando mais tempo do que o recomendado
para serem realizados, exatamente pelo déficit de pessoal”, disse o professor.

A escassez de munições também é um outro problema crítico dentro das forças ucranianas. Comandantes relatam receber apenas dez projéteis para duas peças de artilharia, refletindo o impacto negativo da falta de uma ajuda militar mais robusta por parte da Europa e o impasse do pacote dos EUA, paralisado pelo Congresso.

“Os recursos militares e humanos ucranianos estão cada vez mais limitados. Há atualmente a necessidade de que a Ucrânia adote uma postura defensiva no lugar de uma postura ofensiva no conflito, para que tenha tempo suficiente de se reorganizar e reorientar suas ações. Importante salientar, ainda fazendo referência ao material humano ucraniano, que se trata de um contingente que em grande medida não foi treinado de forma adequada, inclusive para utilizar eficientemente equipamentos militares sofisticados fornecidos pelos países ocidentais”, lembrou Caichiolo.

Soldados ucranianos utilizando munição durante um pequeno treinamento em Donetsk
Soldados ucranianos utilizando munição durante um pequeno treinamento em Donetsk | EFE/EPA/OLGA KOVALOVA

A resposta da Ucrânia para esses desafios incluiu
uma revisão da lei de mobilização, que simplifica os procedimentos para o
alistamento e reduz a idade mínima de recrutamento de 27 para 25 anos.

Essa revisão, aprovada em uma primeira votação no Parlamento do país, ainda está sendo debatida internamente e deve passar por uma segunda votação para poder ser promulgada por Zelensky. A falta de clareza na comunicação e a aparente intriga entre o presidente e o demitido Zaluzhnyi, justamente por causa do debate sobre o número de pessoas que deveriam ser recrutadas, tem gerado na sociedade uma imagem de desunião no governo. Como o professor Caichiolo lembrou, Zelensky, inclusive, já chegou a questionar publicamente se era realmente necessário ocorrer essa mudança na lei.

Além da aparente oposição de Zelensky, a nova
legislação sobre recrutamento proposta ao Parlamento ucraniano enfrenta ainda uma
resistência por parte da população e questões sobre a capacidade do país de
convencer seus cidadãos a continuarem se “sacrificando” pelo território. A
pressão para aumentar o número de recrutas no exército contrasta ainda com a
necessidade de manter a economia do país funcionando para evitar o colapso
social. Mais homens nos grupamentos militares significa menos mão de obra para
movimentar a economia.

A CNN relatou que em fevereiro houve
protestos em Kiev, onde mulheres e crianças pediam por prazos justos para a
desmobilização de alguns batalhões, o que reflete o cansaço da população e a
necessidade de descanso dos soldados que já estão lutando há meses contra a
invasão russa sem ver suas famílias.

A Ucrânia se encontra em um ponto crítico, onde a
falta de soldados e munições ameaça sua capacidade de resistir ao inimigo
russo.

Mudança de estratégia sem superioridade aérea contribuiu para altas baixas

Para o major da reserva e analista de riscos
Nelson Ricardo Fernandes Silva, a queda no número de homens na linha de frente também
pode ser atribuída à mudança da estratégia ucraniana, que, segundo o analista, decidiu
sair no último ano da zona de defesa para o ataque. Esse processo, de acordo
com Fernandes, ocorreu sem a fundamental superioridade aérea e com apoio de
fogo limitado quando comparado com a Rússia.

“Normalmente quem ataca precisa do triplo da
quantidade [de homens] de quem defende, porque o número de baixas é muito
maior”, explicou Fernandes em entrevista à Gazeta do Povo. O analista também
acrescentou que a contraofensiva ucraniana acabou falhando e que isso pode ter
cooperado para o “enorme” número de baixas militares. Há ainda a entrada no
conflito de soldados com pouco treinamento, que acabam morrendo mais cedo.

“[A] Ucrânia não tem apoio de fogo como a Rússia,
também não tem apoio aéreo e está com um gargalo muito grande na quantidade de
munição de artilharia […] diferente da Rússia, que está com um parque
industrial militar produzindo armas a todo vapor”, disse Fernandes.

“A Ucrânia, quando precisa de uma granada de
morteiro, ela tem que aguardar isso vir lá dos Estados Unidos. [Essa munição] tem
que rodar o mundo inteiro para chegar lá. […] Isso é um dos principais pontos
que acabam afetando a performance [ucraniana na guerra], que vai aumentar [também]
o número de baixas”, afirmou o analista.

Fernandes disse que a escassez de recursos
humanos e de materiais pode impactar profundamente as estratégias militares da
Ucrânia para resistir contra as forças russas. Ele reafirmou que a falta de
superioridade aérea e de poder de artilharia tem colocado o país de Zelensky em
uma posição de desvantagem, o que dificulta a retomada de territórios ocupados.

O analista citou também que as principais
dificuldades enfrentadas pela Ucrânia para aumentar seu contingente militar
durante o atual conflito estão relacionadas à estratégia de combate adotada,
que neste momento ainda é a ofensiva.

Segundo Fernandes, o número de artilharia enviada
à Ucrânia não tem acompanhado o ritmo de produção dos russos. Além disso,
conforme explicou o analista, novos recrutamentos podem afetar também a
economia do país, já que isso significaria em menos mão de obra no mercado
interno.

“Hoje a Ucrânia precisa de dinheiro não só para se manter funcionalmente, manter o Estado rodando, mas precisa de uma quantidade de dinheiro gigante em termos de equipamento militar. A partir do momento que fica incerta [principalmente a questão] da ajuda americana – e vai se desenhando uma tendência de que ela não se concretize -, ainda mais com a eventual eleição de [Donald] Trump, a Ucrânia não terá condições de manter uma guerra por um período tão longo”, disse Fernandes.

O professor Caichiolo afirmou que, sem o apoio
dos Estados Unidos, “existe uma possibilidade real da Ucrânia perder a guerra,
não imediatamente, mas no longo prazo”.

Ele lembrou que em dezembro do ano passado, Zelensky foi pessoalmente a Washington para convencer o Congresso americano a aprovar o pacote de ajuda no valor de US$ 60 bilhões, porém, “o ano de eleições presidenciais nos EUA pode atrapalhar a destinação de apoio financeiro”, disse ele, destacando que “os Estados Unidos têm sido, desde o início do conflito – e não a Europa -, os maiores fornecedores de apoio militar à Ucrânia. Ou seja, de fato o apoio dos EUA é absolutamente vital para a Ucrânia”.



Acesse esta notícia no site do Gazeta do Povo – Link Original

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