A operação do Equador para expurgar o narcotráfico das bases do Estado – @gazetadopovo



Por meio de uma operação sem precedentes em curso neste momento, o Equador tenta
erradicar aquilo que nos últimos anos têm sido um de seus maiores desafios: a influência
do narcotráfico e da corrupção na política, no sistema judicial e nas
estruturas mais básicas do Estado.

A operação, identificada como “Metástasis”, é fruto de uma investigação que durou cerca de um ano. Ela revelou a existência de um verdadeiro câncer criminoso que estava se espalhando pelas estruturas do Estado equatoriano através de uma rede de corrupção que envolvia juízes, promotores e servidores públicos, todos atuando em favor de políticos corruptos e líderes do narcotráfico, que desfrutavam, com toda liberdade, do luxo e da impunidade persistente no país.

“Hoje, o termo ‘narcopolítica’ no Equador tem sido evidenciado, já não é distante, pois podemos ver como as estruturas criminosas permearam as instituições”, disse em dezembro de 2023 Diana Salazar, a procuradora-geral do Equador.

A operação ganhou força e foi explorada após o assassinato em 2022 de Leandro Norero, um notório narcotraficante que estava preso no Equador. A análise dos equipamentos de comunicação que eram utilizados por Norero, que foi assassinado no presídio, foi crucial para desvendar a extensão da rede de corrupção que existia no país, que era, inclusive, liderada por ele.

O Equador, que atualmente está imerso há mais de 60 dias em um estado de exceção, decretado pelo presidente Daniel Noboa para poder combater com todas as forças as facções e o crime organizado, que transformaram o país no mais violento do mundo nos últimos anos e fizeram com que cenas de terror ocorressem em janeiro em várias cidades através de diversos ataques coordenados, agora também tenta combater a fonte de impunidade que estava resistindo dentro da estrutura estatal, que, segundo as descobertas da “Metástasis”, estava infestada pela influência do narcotráfico.

Entre os presos e investigados na operação até este momento estão figuras do alto escalão do Equador, como Wilman Terán, então presidente do Conselho Judiciário do país (responsável por fiscalizar as ações da justiça), e Pablo Ramírez, que ocupou cargos de chefia no governo federal voltados para a direção da agência de antinarcóticos e no serviço que administra as prisões do país.

Outros diversos servidores públicos, incluindo policiais e promotores, bem como indivíduos com cargos menores também já foram detidos.

A operação Metástasis está sendo eficaz e já gerou desdobramentos, como a operação classificada como “Purga”, que busca provar os laços existentes entre a justiça, a política e o narcotráfico que operavam a partir da Corte Provincial de Guayas. De acordo com as descobertas da Purga, neste tribunal, juízes eram comprados e sorteios manipulados. Tudo isso culminava em decisões judiciais favoráveis àqueles que estavam envolvidos na estrutura criminosa.

Até o presente momento, nove dos 15 juízes penais que compõem a corte estão sendo processados.

No centro do caso Purga estão figuras proeminentes, como o ex-deputado equatoriano Pablo Muentes, que está preso, a ex-presidente da Corte Provincial de Guayas, Fabiola Gallardo, e um popular juiz identificado como Johan Marfetán, todos acusados de participar da rede criminosa.

Conforme veiculou o Infobae, a investigação da operação Purga ganhou impulso com a análise de conversas e arquivos que foram extraídos do celular de Mayra Salazar, a diretora de comunicação da Corte Provincial de Guayas. Salazar, que segundo informações mantinha uma relação pessoal com o narcotraficante Norero, operava um grupo de pessoas que se dedicava a espalhar desinformação para defender seus cúmplices e manipulava funcionários do sistema judicial para favorecer interesses criminosos.

O esquema também envolvia a compra de sentenças e a apropriação indevida de
bens. Além disso, o assassinato de Fernando Villavicencio e a tentativa de
desvincular o grupo criminoso Los Lobos do crime foram outros aspectos que
vieram à tona durante essa investigação.

A procuradora-geral Salazar, de 43 anos, é a responsável por ambos os casos.
Ela já afirmou que enfrenta riscos pessoais significativos semanalmente, o que
indica a presença constante de ameaças contra sua vida.

No Equador, um promotor já foi assassinado após investigar casos que
envolvem ações realizadas pelo crime organizado.

Em declarações para a Agência EFE, Salazar disse que o crime organizado
conseguiu se infiltrar em boa parte do Estado equatoriano.

“A Metástasis é um claro raio-x de como o crime organizado permeou
muitas instituições do Estado. Nesse caso, temos réus do Tribunal Nacional e
dos tribunais de justiça provinciais, do Conselho Judiciário, da Polícia
Nacional, do Ministério Público, advogados, particulares e outros, todos
trabalhando em troca de dinheiro do narcotráfico”, afirmou ela.

Para sua proteção, a procuradora-geral utiliza sempre um colete à prova de
balas durante suas coletivas e é acompanhada por um grupo policial armado em
todos os locais por onde passa.

“As intimidações são um risco que correm todos os cidadãos que não
querem um país controlado por narcotraficantes ou criminosos e que fazem algo
para mudar a realidade atual”, disse ela na declaração à Agência EFE,
acrescentando que “como procuradora-geral, o risco pessoal é muito maior,
porque – de certa forma – significa enfrentar todos os criminosos”.

“É como viver em prisão domiciliar. Já repeti isso várias vezes, não
porque devo alguma coisa a alguém, mas porque os delinquentes querem vingança.
Mas tenho fé que tudo ficará bem”, lembrou Salazar.

Os detalhes de ambas as operações são extremamente chocantes para qualquer sociedade civilizada e honesta. Conversas interceptadas pelas autoridades equatorianas revelaram como os juízes do país eram “entretidos” por meio de serviços de prostituição, que, no fundo, serviam apenas para que os criminosos obtivessem decisões favoráveis para os seus casos.

Segundo uma reportagem do Infobae, em uma das conversas interceptadas de Norero, o seu advogado, identificado como Helive Ángulo, chegou a afirmar ao narcotraficante em um certo momento que um habeas corpus favorável a ele na Corte Nacional estava “assegurado” por meio de juízes que já haviam sido comprados com as benesses oferecidas pela estrutura criminosa.

Além do favorecimento ao crime, a operação também revelou como os políticos
e funcionários públicos utilizavam a estrutura judicial para atender aos seus próprios
caprichos.

Por exemplo, segundo o Infobae, o ex-deputado Muentes utilizou seu poder político na rede criminosa para obter uma sentença favorável a ele em um julgamento sobre uma dívida que tinha com um banco local. O banco pedia a execução desta dívida e o então deputado a anulação dela.

Com o juiz envolvido na rede criminosa, Muentes não só conseguiu anular a dívida como ainda fez com que o banco pagasse a ele uma multa milionária por “danos morais”.

O chocante assassinato de Fernando Villavicencio, que ocorreu durante sua
campanha presidencial no ano passado e acendeu um sinal de alerta no Equador,
também está ligado a essa teia de corrupção, conforme apontaram as
investigações. Segundo os promotores, a ordem para matar Villavicencio partiu
de membros da Los Lobos, uma facção criminosa com grande influência no país,
que estaria tentando usar a estrutura judicial corrupta para se afastar do
caso.

Nesta semana, inclusive, um ex-deputado ligado ao ex-presidente esquerdista Rafael Correa (2007-2017), Ronny Aleaga, foi acusado de ter tentado “silenciar” Villavicencio. A promotoria equatoriana apresentou conversas que ligam Aleaga ao narcotraficante Norero, que liderava a organização de corrupção no país.

“A participação [de Ronny Aleaga neste esquema] estava destinada a silenciar a pessoa que representava a maior fonte de revelação de suas atividades criminosas: Fernando Villavicencio”, disse a procuradora-geral Salazar.

Ela destacou que Aleaga era apontado como “Ruso” nas conversas com Norero e que o mesmo também buscava informações privilegiadas para favorecer Xavier Jordán, um sócio do narcotraficante, que neste momento é procurado pela Interpol.

O político, que já integrou uma das gangues legalizadas no Equador durante o
governo Correa, negou as acusações, classificando-as como “perseguição da
promotoria”. Ele está fora do Equador desde dezembro de 2023.

A operação “Metástasis” e o caso “Purga” são um testemunho de como a
corrupção gerada nas mais altas esferas do Estado pode beneficiar políticos
criminosos e colocar a administração da justiça a serviço do narcotráfico.

“O caso Metástasis é uma radiografia de como o narcotráfico tomou conta das instituições do estado para operar, por meio de dinheiro ilícito, a partir de instâncias judiciais e políticas e alcançar impunidade em alguns casos”, afirmou Salazar em dezembro quando foram deflagrados os primeiros movimentos da operação.



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